18 junho 2009

Apenas um dia – Conto/Romance - Parte 1

Talvez por sempre me ter apetecido escrever algo, um livro (digo-o com a modéstia de um não escritor), que fosse comum a mim e a qualquer outra pessoa que se reveja nas minhas palavras, lanço este pequeno conto/romance. Fruto da imaginação, no fundo de imagens que conservo e idealizo, de vivências e de tudo o resto. Gostava de sentir um feedback de alguém que se sinta ou reveja em parte do texto, ou até o oposto! Se tudo isto parecer disparatado.
Parte 1
Noite. Tacteava o pulso num acto repetitivo, rodei o relógio para conferir o tempo. Estava a chegar a hora. Nunca me atrasava.
No quarto, agarrei um perfume e expulsei do frasco um pouco do aroma, em mim. Dirigi-me à cadeira, peguei no blazer e encostei o dedo ao interruptor do candeeiro de mesa e desliguei-o. O tom pastel da luz desvanecia-se aos poucos, aquela luz que tantas noites me acolheu enquanto me resguardava no silêncio característico de quem se deita a fazer o balanço de um dia.
Lá fora as constelações levantavam-se e mapeavam o céu, conhecia bem o enquadramento. A imagem dos serões passados no parapeito da janela percorria-me a memória. Tinha que ir.
As ruas estavam vazias. Tão morta estava cidade naquele instante. Contraste incómodo, já que durante o dia, o ar, quase se tornava rarefeito na concentração épica dos espaços públicos. Estacionei, orientado pela luz de um candeeiro de pé alto já fustigado pelo tempo e pelos descuidos dos carros. Era apenas mais uma noite, pensei.
O som das pedras da calçada ecoava nas paredes dos edifícios, também eles envelhecidos. Estava-se a perder esta arte, já ninguém faz verdadeira calçada portuguesa! Ser-se pedreiro não é “nobre”, incomodado, pensei.
Ao fundo da rua avistava-se um resquício de luz que iluminava o chão, aproximei-me e entrei. Sorridente, Miguel, dono do bar, cumprimentou-me. Devolvi-lhe com agrado um sorriso e um forte abraço adornado com um aperto de mão. Era-me familiar aquele espaço.
-Queres vir tocar hoje? – Perguntou Miguel.
-Hoje não… hoje preciso de arrumar a cabeça e aguardo companhia. – Disse-lhe aproximando-me do balcão.
-Claro! Como é? Sai um duplo sem gelo? – Perguntou-me, já com o copo servido na mão.
-Chuta! – Disse-lhe num tom amigável.
Do banco alto rotativo era possível ver todo o interior, as pequenas mesas escuras de madeira de carvalho e de cantos trincados, o balcão corrido de granito decorado com protuberâncias em metal dourado, os jogos de luz por entre as tiras de fumo, aquela imponente garrafeira de iguarias exóticas e os cálices pendurados pela base. Todo o ambiente fazia lembrar um bar ao jeito Irlandês. Mesmo ao lado do balcão, no canto esquerdo do salão, existia um pequeno palco ladeado por duas mesas redondas e um sofá vermelho carmim já manchado pelo álcool, onde os músicos se encostavam durante os intervalos e por vezes só pelo hábito, como se de um território marcado se tratasse. As paredes, essas, tombavam repletas de recortes de jornal, revistas e fotografias de amigos, de músicos promissores e outros mais afirmados.
A noite foi-se desenvolvendo normalmente, entre goles de bebida, um olhar pelos títulos de jornal e pequenos diálogos com rostos conhecidos que partilhavam conversas de circunstância comigo.
Era um pouco tarde, o compromisso e a responsabilidade profissional impediam-me de ficar por ali muito mais tempo, além do mais, o cansaço começava a fazer-se sentir.
Afinal não vem – disse para mim, murmurando.
Estava praticamente a sair quando entrou Sofia. Uma mistura de nervosismo e de positiva ansiedade percorreu-me o corpo. Senti o batimento cardíaco a manifestar-se. Aproximou-se de mim e cumprimentou-me. Era suave e floral o perfume que trazia, mas ainda assim, penetrou na minha roupa. Sentia o aroma.
De pose decidida e assumida, mas ao mesmo tempo angelical, desviava sempre a atenção dos homens que se movimentavam em seu redor. Não era o primeiro encontro, mas em mim tudo fazia parecer que sim.
-Boa noite! Então como está a donzela? – Perguntei.
-Estou muito bem e o cavalheiro? – Disse-me, esboçando um sorriso aberto.
-Estou bem também, a menina acompanha-me numa bebida, ou prefere apenas um café?
-Um cafezinho, simpático cavalheiro – disse-me em jeito teatral.
Tentava, com humor, quebrar o gelo do contacto inicial e de alguma insegurança na situação, sempre era assim, tímido e desastrado. Porém, a linguagem corporal deixava-me ficar mal e depressa denunciava o meu estado.
Conversámos um pouco sobre o nosso dia, as novidades, fragilidades e saboreámos a partilha de alguns sonhos futuros que íamos montando no decorrer da conversa.
Não era fácil libertar-me de a contemplar. O seu cabelo longo, liso, sedoso e negro, pele de aroma a jasmim, olhos cintilantes e mágicos. Tanta harmonia naquele olhar, fazia-me bem. A delicadeza do sorriso e de como movia as mãos, como que no acto ritual de charme inconsciente, cativava-me ainda mais. Dou por mim a congelar o tempo e a pensar como temia perder-me a olhar o corpo e não ver a mulher. Erro comum. Por momentos senti que ela partilhava, igualmente, de algum nervosismo ou pelo menos uma qualquer insegurança nas reacções, talvez vindo de um passado menos feliz, talvez não muito diferente do meu. Por fim os dedos tocaram-se… As mãos uniram-se. O tempo cristalizou por instantes. Cúmplices foram os olhares e os sorrisos quase adolescentes. Mas, nessa noite nada foi mais que isso, ou melhor, foi tudo isso…
Continua brevemente...
A todos o meu obrigado, aguardo comentários!
João

1 comentário:

' Claudjinha disse...

como ja disse, gostei desta parte. vou ler a 2ª :D